Texto de Cristina Biazetto

Na criação de um livro ilustrado, somam-se o desejo do escritor de que a sua história prenda a atenção do leitor, com o do ilustrador, que deseja que suas imagens façam o mesmo.

Prender a atenção do leitor, para então libertar a sua imaginação. Este é o jogo!

Para conseguir isso, ambos usarão, além de muita fantasia, vários recursos narrativos como, ritmo, dramaticidade, ambientação, vibração, clareza etc. Cada qual com a sua linguagem.

Mas aqui, tratarei somente de ilustração.

Percebemos as imagens através das diferenças. Observamos semelhanças e contrastes. Chama nossa atenção a relação entre o claro/escuro, pequeno/grande, dinâmico/estático, denso/leve, dentre outros contrastes possíveis.
Para conseguir tais efeitos o ilustrador utiliza elementos visuais, como linha, volume, luz e cor. Escolhi comentar, neste texto, o uso da cor.

O trabalho com a cor inicia pela escolha da palheta. Que cores usar? Cores vibrantes ou suaves? Muitas cores ou poucas? Cores puras ou misturadas? Frias ou quentes? Tantas outras perguntas podem ser levantadas.

No caso de um livro só de imagens, as encontraremos no roteiro. Tanto em livros com texto como em livros de imagem haverá sempre história a ser contada, e é nela que buscaremos a palheta.

Se a cena a ser ilustrada é alegre ou triste, se transcorre de dia ou de noite, se é inverno ou verão, se tem ação e passa depressa ou lentamente, se acontece algo misterioso etc: todos esses detalhes serão importantíssimos na escolha das cores a serem usadas.

Penso ser interessante, neste momento, comentar rapidamente a classificação ou divisão das cores em primárias , secundárias e terciárias.

Primárias são o azul, o amarelo e o vermelho. As secundárias surgem a partir das misturas das primárias, obtendo o verde, o violeta e o laranja. As terciárias advêm da mistura de uma primária com uma ou mais secundárias. Mas vamos falar da relação entre primárias e secundárias, para deixar mais claro como podem ser exploradas essas combinações de modo a se conseguir o efeito desejado na ilustração. Pois é da relação entre primárias e secundárias que surgem as chamadas cores complementares, que são “coringas” para nós, ilustradores. A cor complementar de uma primária é a mistura das outras duas. Exemplifico:

a complementar do azul é o laranja = amarelo + vermelho;
a complementar do vermelho é o verde = azul + amarelo;
a complementar do amarelo é o violeta = azul + vermelho.

Quando olhamos uma cor, os nossos olhos “procuram” logo a sua complementar. Então, se o ilustrador colocar, por exemplo, um objeto vermelho, depois um outro verde, e assim por diante, ao longo da imagem, conseguirá com isto criar um movimento visual e fazer com que o leitor siga este caminho entre verdes e vermelhos até percorrer toda a ilustração. Outro exemplo, seria escolher uma cor de fundo e, no personagem, colocar a complementar desta cor. Com isso, obteremos maior destaque para este último.

É tudo sempre uma questão de dosar. Usando grandes áreas da imagem com uma cor, por exemplo, o amarelo, e depois algumas pequenas formas em violeta, a passagem do olhar de uma cor para outra será mais tranquila, ao passo que formas semelhantes no tamanho, dispostas lado a lado com cores complementares, criará uma dinâmica maior dessa visualização. Assim como esses dois, existem vários outros recursos possíveis de se obter somente com a alternância das complementares. É uma verdadeira alquimia.

Outro recurso na utilização da cor é a escolha de cores “frias” e cores “quentes”.
Simplificadamente, podemos dizer que azuis, verdes e cinzas seriam cores frias, e os vermelhos, amarelos e laranjas seriam cores quentes.

Cores quentes tendem a “avançar”, ou seja, formas pintadas com elas se destacam e nos dão a sensação de que vêm para frente. Cores frias, ao contrário, recuam.

Assim, usando cores frias, conseguimos o efeito de distanciamento, transparência e imaterialidade, enquanto cores quentes transmitem proximidade, densidade e materialidade.

Existe ainda a questão da psicologia das cores, que abre ainda mais o leque de recursos criativos.

Por essas razões e outras mais, que não foram comentadas aqui, a cor é um dos principais elementos visuais para construir uma ilustração com ritmo, dramaticidade, vibração, espacialidade e ambientação, capazes de prender a atenção do leitor e se comunicar com ele.

Para exemplificar algumas escolhas das cores na ilustração de livros, comentarei rapidamente três livros publicados pela editora Projeto: Tecelina, Aurora e A Princesa desejosa.

Para ilustrar Tecelina, escolhi todas as cores!!! Por quê? Porque estavam todas no texto da Gláucia de Souza. Ela contou de um jeito muito “colorido” a história da personagem Tecelina, e não apenas dela, mas também das suas antepassadas. Como nos conta Gláucia, Tecelina tecia em pedacinhos, com fios de todas as cores. É uma narrativa que passa a alegria de tecer tecido e tecer histórias. Por isso usei tons alegres e vibrantes para tentar imprimir nas imagens a mesma sensação que senti ao ler o texto.

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Já em Aurora, que é um livro só de imagem, eu economizei nas cores, porque a história que eu queria contar precisava dessa economia. Tudo é preto e branco até a personagem Aurora chegar e distribuir cores. Em cada lugar que ela vai e encontra um novo personagem, ela o presenteia com uma pedra colorida e, então, o personagem ganha cor na cena seguinte. As cores das pedras não foram escolhidas aleatoriamente: baseiam-se nos significados das cores, no que elas representam e no que despertam em nós.

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Se em Aurora eu economizei cores, no livro A Princesa Desejosa eu as racionei. Usei praticamente só grafite, branco, preto e vermelho. Neste caso, a escolha por usar poucas cores não foi porque a narrativa assim o pediu, mas porque eu desejei contar a história dando ênfase no desenho, no traço. E a cor aqui entrou mais como forma, como superfície. Até mesmo a escolha de não usar a cor, mostra o quanto ela é importante, pois abre-se mão dela para que um outro elemento visual ganhe mais força. No caso desse livro, a linha.

O tratamento da cor na ilustração é essencial e exige atenção e sensibilidade do ilustrador para conseguir o efeito desejado e alcançar uma comunicação eficaz. A comunicação vai depender também da percepção do leitor. Segundo Fayga Ostrower “a percepção mobiliza todo o nosso ser sensível, associativo, inteligente, imaginativo e criativo. Perceber é sinônimo de compreender, é a elaboração mental das sensações”.

princesa3Da maneira como vivemos atualmente, mergulhados num mundo de imagens, com todos os recursos que a tecnologia de alta definição nos trouxe em todos os tipos de telas (tv, computador, outdoor, tablets e smartphones), não é tarefa fácil conseguir chamar a atenção do leitor para as páginas do livro. Por isso, o desafio de ilustrar está sempre crescendo e exigindo mais cuidado na construção das imagens. A ilustração precisa ser rica e instigante. Rica no que diz e na forma de dizer. Requer boa estrutura estética e necessita despertar o imaginário do leitor e ampliar sua capacidade de perceber imagens. Para nos ajudar a vencer esse desafio, como disse anteriormente, a cor é nossa grande aliada. Uma importante ferramenta para ser usada com técnica, mas também com muita fantasia.

 

Alquimia das cores