Texto de Fernanda Miranda – Planalto Distribuidora/GO

“Alô, Fá! Não imagina como estava ansiosa por sua ligação! Parece coisa de outro mundo, não é? Então vamos lá. Tenho excelentes notícias.”

“Olá, Fê! Antes, gostaria de saber se recebeu os balaios que pediu. Aquela quantidade é suficiente?”

“Sim, querida, por enquanto sim. E também vieram os piolhos. Agora a surpresa! Consegui colocar um piolho naquela escola. A professora ficou muito entusiasmada. E veja bem. Ela vai começar o ano letivo utilizando-o em sala de aula com todas as crianças e aposta no sucesso.”

“Muito bom, Fê! Você tinha comentado que essa escola tem muito prestígio e isso para nós é muito importante.”

“Outra notícia boa porque eu tinha falado em notícias, não é? O bruxo foi escolhido por uma professora de outra escola. Tinha pensado também em enviar o piolho, mas ela disse que o que o bruxo tinha a dizer seria mais adequado para a turma. O importante é que já está lá e vai cumprir com sua função. Trata-se de uma escola onde o diretor é muito presente e faz questão de conhecer todo o material oferecido. Tenho certeza do sucesso. Mas não há como negar. Nosso material é muito bom. Como sempre trabalhamos com muito respeito e dentro dos limites que a ética exige.”

“Outra pergunta, Fê. Você enviou só um balaio para aquela primeira escola?”

“Sim, Fá, mas foi bom você ter enviado mais porque acho que todas as professoras vão utilizar. O que sobrar irá para outra escola. E aí posso enviar tudo junto. O bruxo, o balaio e mais alguns piolhos porque são várias turmas.”

“Então está certo, Fê. Obrigada pelas notícias.”

“Certo, Fá! E não se esqueça. Chegando algo parecido com o piolho ou com o bruxo não se esqueça de enviar. Até mais!”

“Pode deixar! Grande abraço.”

Do outro lado, em local não revelado, um telefone. Alguém escutava. Ou melhor, vigiava. Um sofisticado equipamento atento a indícios de revoltas, complôs, sequestros, invasões de países estrangeiros e movimentos populares.

“Chefe! Rápido! Veja isso! Acabamos de interceptar. É inacreditável! Bem debaixo de nosso nariz! Quanta ousadia! E nós, preocupados em vigiar políticos, mensaleiros e governantes corruptos! Lógico, precisam ser constantemente monitorados, mas parece que essa turma aqui está aprontando algo de monstruoso! Utilizando escolas, crianças, professores. O que não dá para entender, Chefe, é por que os professores iriam permitir piolhos em sala de aula? É o fim do mundo! E pior que isso! Além dos piolhos falam em bruxos e balaios. O que será que tem dentro desses balaios? Veja bem, Chefe! E são duas mulheres. Fá e Fê. Não usam os nomes completos. Muito pior que isso, Chefe! Estão acostumadas a piolhos, companhia de bruxos. Acho que li em algum lugar uma frase que diz “Yo non creo en brujas, pero que las hay, las hay”. E não sei não, com tanta coisa acontecendo, podem ser duas bruxas à solta com seus balaios, contaminando crianças indefesas usando os professores que provavelmente nem desconfiam dessa invasão. Invasão? Claro! Como não pensei nisso antes! Um grupo organizado e bem estruturado em suas ações. E ao que tudo indica é Fá quem dirige a organização. É isso! Fá e Fê fazem parte dessa organização. Cada uma num local estratégico. Uma no sul e outra no centro-oeste. Provavelmente contam com o trabalho de outros participantes. E ainda falam em ética. Bruxo deve ser o codinome para seus agentes secretos. São eles que transportam os balaios cheios de piolhos. Agora sim. Tudo faz sentido.

São agentes infiltrados para acabar com o futuro da nação. As crianças. Esses piolhos não são como os que conhecemos. Foram criados em laboratórios clandestinos. E quem teve essa ideia deve ter desenvolvido um piolho que não provoca coceira para não chamar a atenção dos pais e dos professores.

Chefe, o estrago será feito sem que ninguém desconfie. Através de uma picada os piolhos cumprirão com a missão. Alguma substância será inoculada nessas crianças transformando-as Deus sabe de qual maneira e quem sabe comprometendo seus genes.

Nunca antes na história deste país… Desculpa, Chefe, não é neste país e sim naquele outro. Aquele lá embaixo. De lá podemos esperar tudo. Como eu sempre disse estão acostumados com roubos, corrupção, fraudes de todo tipo e com a certeza da impunidade incentivando outras barbáries. E depois ficam bravos porque estamos escutando suas conversas. Estamos é protegendo o mundo. Como já disse antes, Chefe, não podemos baixar a guarda. Eles se fazem de coitadinhos e olha aí no que deu. Jamais imaginei tamanha atrocidade. É o fim!

Chefe! Não há tempo a perder! Já tenho a localização exata dessa Fá! Temos que intervir para o bem da humanidade! Vamos invadir o local!”

 

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Num belo dia, numa grande operação militar, mas sem o conhecimento da imprensa local, interceptaram Fá numa escola, com várias caixas que depois de abertas revelaram as supostas armas. Livros! Livros? Onde estavam os balaios com os piolhos?

Fá por sua vez não entendia nada. Que história maluca essa de balaios, piolhos e bruxos?

Não existiam balaios e piolhos. Muito menos bruxos. Do que estava sendo acusada? Fá se defendia dizendo que trabalhava com livros para crianças e Fê fazia a mesma coisa em outra região. Não havia nada de mal nisso. Muito pelo contrário.

Sim. Era sobre livros que Fá conversava com Fê. As duas trabalhavam com livros para crianças.

Indignada com tamanho absurdo disse que tinha como provar sua inocência.

Levada para um lugar isolado iniciou-se o interrogatório para que Fá revelasse o plano da invasão. Fá não se intimidou. Sentou-se e, tranquilamente, começou a ler. O que aconteceu a seguir só eu e este leitor ou leitora saberão. Os homens contratados pela segurança ouviam inebriados os contos do bruxo e deram gargalhadas com a história do piolho que estava na cabeça de uma jovem dona de longa cabeleira. E pediam mais. Queriam mais livros. Mais histórias para rir e sonhar.

Diante de tanta algazarra coube ao delator do esquema da suposta invasão fugir da situação ridícula em que se encontrava.

Não voltou ao país de origem. Não poderia mais encarar o Chefe. Ficou por aqui mesmo.

E pediu um emprego para Fá. Descobriu que ler era melhor do que espionar.

 

Nota da autora: esta é uma crônica imaginada a partir de uma conversa telefônica entre duas pessoas que lidam com livros. Pura ficção. Os livros não. São reais e são maravilhosos.

 

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De balaios, piolhos e bruxos