Texto de Deborah Vier Fischer – Escola Projeto –
Narrar é pensar. Ouvi essa frase recentemente, da autora Heloisa Prieto, por ocasião de encontro com alunos da Escola Projeto, após estudo de sua obra durante o 1º trimestre deste ano. Mas, por que essa frase me pegou de jeito? Por que não consigo parar de pensar nela desde então? Acredito que aprendemos muito com a arte, seja ela de onde vier: da música, das artes visuais, do teatro, da literatura. Neste caso, em especial, por se tratar de Heloisa Prieto, que nos oferece, a cada nova publicação e a cada novo encontro com as palavras, uma enxurrada de boas experiências, falar sobre narração pode parecer cair na obviedade. Só que não!
A autora nos põe a pensar sobre aquilo que, por vezes, por estar tão próximo, acabamos não vendo ou não dando valor. Ela fala da vida, das relações, das experiências, do que viveu com seu pai, sua mãe, sua avó, seus filhos, seus animais de estimação, dos ensinamentos de uma família em que sempre havia lugar para mais um independente de cor, raça, credo ou qualquer outro tipo possível de classificação. Falar de experiências vividas e transformá-las em literatura, partilhando, com acréscimos de imaginação e criação, tem a ver com a arte de Heloisa Prieto.
Enquanto ouvia Heloisa conversando com os alunos e propondo o exercício de uma “escrita oral”, ao compor uma narrativa sobre zumbis, mortos-vivos, seres extraordinários, ou seja, todos aqueles que não estão na ordem das coisas ditas, repetidas e acomodadas, pensava incessantemente em Walter Benjamin* , especialmente, em seu texto O narrador, quando afirma que as ações da experiência estão em baixa, que o mundo atual, de alguma forma, parece nos privar da possibilidade de intercambiar experiências. Segundo o autor, “a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”. Penso que Heloisa sabe disso e faz uso disso, bom uso, por sinal, pois incorpora histórias vividas e contadas, compartilhando-as com seus leitores, que por sua vez, colaboram para que novas histórias possam ser narradas.
Benjamin, ao referir a possível morte da narrativa, na relação com o surgimento do romance, no início do período moderno, especialmente pelo fato dele não proceder da tradição oral, nem alimentá-la, ressalta o que a autora faz de modo exemplar:
O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes (BENJAMIN, 1994, p. 201).
Voltando à ideia de “narrar é pensar”, alimentada pelo que vi e ouvi dos movimentos dos alunos, ao serem instigados pela autora a falarem sobre como seriam os “seus zumbis”, sobre como se movimentariam, o que fariam, de onde viriam e para onde iriam, busco apoio mais uma vez em Benjamin, para entender a força da narração em relação à pobreza de algumas histórias que nos chegam diariamente. Histórias que não mais nos surpreendem, pois estão sempre acompanhadas de explicações, de ajustamentos, de informações. A riqueza da narração, pelo contrário, está em evitar explicações, está em deixar o leitor “livre para interpretar a história como quiser, e com isso, o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação”.
Agradeço à Heloisa por tornar a literatura algo maleável, artesanal, talvez, tendo no artesão o artista que faz da sua arte um modo de vida, em que os personagens ganham vida porque têm vida, porque existiram ou existem, porque estão manualmente sendo trazidos à história.
*BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskow. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994 – (Obras escolhidas v. 1).