Texto de Beth Baldi –

“Fui percebendo durante os exercícios o que funcionava com cada turma e cheguei a uma ideia válida para as três: um tema centralizador das brincadeiras estimula mais a imaginação do que algo que seja muito livre.”
(Profº de Teatro da Escola Projeto, Rafael Bricoli)

Esse trecho foi retirado da reflexão do professor, a partir de suas aulas da semana com os 1ºs anos, no contexto do projeto deste 3º trimestre para a série, que se chama “Minha imaginação é meu mundo” e que pretende “potencializar o desenvolvimento das especificidades das crianças, envolvendo-as num processo lúdico, através do jogo simbólico, para trabalhar diversas questões pertinentes não só ao fazer artístico, mas também ao convívio em grupo dentro da escola”.

Nesta semana em que comemoramos o Dia do Professor, destaco aqui a observação escrita por Rafael para, através dele, homenagear os mestres que nos leem, e especialmente aqueles que, com ações cotidianas e relativamente simples como essa, fazem de sua prática algo vivo, prazeroso e enriquecedor tanto para si mesmos como para seus alunos.

Além disso, aproveito a citação para comentar duas questões que nela aparecem e que, para mim, são essenciais à nossa ação de ensinar.

Uma delas se refere a um princípio didático de restrição ou direcionamento para se chegar a um aprofundamento da aprendizagem. Esse princípio nos é muito caro e aparece em diferentes pontos de nosso trabalho. Por exemplo, em relação à leitura: ao mesmo tempo em que oferecemos uma diversidade de textos e gêneros a serem explorados pelos alunos em diferentes modalidades de leitura que acontecem simultaneamente, há situações pontuais em que elegemos um determinado gênero ou autor (unidades de leitura trimestrais, que focam gêneros específicos ao longo das séries e um autor convidado no 1º trimestre de cada ano), no sentido de conhecê-lo(s) mais profundamente.

Também na escrita esse princípio aparece, direcionando a produção de textos, que raramente acontece a partir de um “tema livre”, por acreditarmos que quanto mais as crianças tiverem, nesta etapa da escolaridade em que são escritores iniciantes, a possibilidade de escrever sobre algo que elas já conhecem ou de que já têm ideias estruturadas, melhor. Isso garante uma variável a menos para terem de dar conta, diante de uma tarefa complexa como é a escrita de um texto, que envolve muitas outras questões para as quais devem olhar – desde a construção da escrita propriamente dita (que letras colocar), passando pela organização das ideias e cuidado com a coerência entre elas, com aspectos gramaticais (concordâncias verbal e nominal ou substituição pronominal, por exemplo) e com ortografia, conforme a série em que se encontram.

Nas artes visuais e na música, da mesma forma, o princípio se aplica quando desejamos ensinar sobre determinada linguagem artística ou gênero musical. Se por um lado a diversidade é importante para que os alunos estabeleçam comparações e relações variadas, o aprofundamento sobre cada um também é imprescindível para que construam conhecimentos conceituais e técnicos a partir dos quais comparar.

Ou seja, as relações e formulações (assim como a imaginação e a criação nas aulas de teatro) não acontecem no vazio: precisam ser “alimentadas”, garantindo-se um nível mínimo de aproximação ao objeto de conhecimento para que elas “surjam”. E foi sobre isso, justamente, que escreveu o Rafael. E completou, mais adiante, quando, sobre as aulas do 2º ano, observou:

“Estou buscando explorar situações diversas para que as crianças tenham em seu repertório pessoal uma gama de possibilidades para explorar na apresentação no dia da Mostra.”

E, também, quando planejou a aula seguinte para essa série:

“Começarei a aula mostrando às crianças vídeos relacionados ao tema de cada turma. (…) O vídeo tem o intuito de ilustrar e apresentar a eles outras maneiras de ver o tema. Além de serem estímulos diferentes do que já tem sido trabalhado para que isso agregue ao repertório deles.”

A outra questão que desejo destacar, aproveitando essas observações do professor, se refere ao fato delas serem (independente do seu conteúdo estar adequado à proposta da escola, como neste caso) resultado de uma oportunidade criada pela escola. Na medida em que esta incentiva e exige o registro, oferecendo espaço e interlocução que lhe dão sentido, seus profissionais têm oportunidade de construir uma postura reflexiva, que os faz parar e pensar cotidianamente sobre suas aulas – o que aconteceu ou não em relação a seu plano, o que deu certo ou não e por que, como os alunos responderam e estão se desenvolvendo a partir do que era previsto ou desejado -, voltando sempre ao todo (o projeto, os objetivos que estão norteando seu fazer) e refazendo ou ajustando a caminhada, no sentido de rever as propostas e os encaminhamentos para as aulas seguintes. Essa perspectiva de “revisar ou repensar o feito para aprimorar o fazer seguinte” só é possível por existir um plano, um ponto de partida, bem como disposição e espaço de reflexão, que garantem, inclusive, a discussão necessária e igualmente importante a se realizar se a observação do professor não estiver, em algum momento, sintonizada com a proposta da escola.

Daí, podemos concluir que também para quem pretende ensinar o direcionamento é importante. Também para o professor que quer fazer um trabalho sério e produtivo, que lhe traga satisfação profissional, “algo que seja muito livre” pode empobrecer, pode deixá-lo solto demais, sem rumo e, portanto, num processo frustrante que despende energia e não leva a lugar algum. Um foco, uma proposta e um conjunto de princípios pedagógicos compartilhados são essenciais para que cada professor, em sua área, possa criar suas aulas de modo que elas produzam as aprendizagens desejadas, enriquecendo a todos.

Assim, defendo que para a escola constituir uma equipe cada vez mais autora, consciente, engajada e autônoma, deve garantir aos educadores (assim como estes devem exigir-lhe) a realização sistemática de atividades de planejamento e reflexão sobre seu trabalho, envolvendo trocas e análises de relatos e/ou escritas de textos, com interlocução entre seus pares e com coordenadores e especialistas (em cursos ou assessorias, por exemplo), dentro de uma proposta mais ampla de formação continuada.

Por fim, desejando aos professores que se deixem envolver, no dia a dia da profissão, por tudo que ela tem de mais instigante, para enfrentar os desafios com garra e promover o constante crescimento de todos, dando-se conta da enorme responsabilidade que têm com cada um de seus alunos, fica aqui o nosso abraço e reconhecimento.

Professora Carla e sua turma de 1ºano
Professora Carla e sua turma de 1ºano

 

Por um professor pensante e autônomo